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TODAS AS MULHERES

Ao contrário do que diz a música, deixemos de lado as tais mulheres de Atenas e miremos nestas outras mulheres aqui fotografadas. Dizia Simone de Beauvoir "Eu quero tudo na vida. Eu quero ser uma mulher e ser homem, ter muitos amigos e ter a solidão, trabalhar muito e escrever bons livros, viajar e me divertir, ser egoísta e não ser egoísta… É difícil obter todas que eu quero.” Mas quando as mulheres podem ser todas?

As mulheres aqui retratadas por Pamela Facco também querem tudo mas não querem tecer bordados, mil quarentenas nem serem maltratadas violentamente a lhes arrancarem as carícias. Não são pequenas Helenas como cantou o poeta Chico Buarque certa vez. Elas possuem o que a fotógrafa mexicana Flor Garduño chamou de “Luz Interior”.

O gadget e os aplicativos aqui usados por ela  são instrumentos para criar essa poesia, ou como escreve a poeta Veronica Volkow Fernandéz, também mexicana: “através do aparato fotográfico se captura a poesia além da exaustão da prosa cotidiana”. De fato uma poderosa atmosfera através da metáfora da feminilidade traduzida por Pamela Facco em suas coloridas guirlandas, olhos d’água e tons suavemente pastéis, fruto das sucessivas manipulações dos aplicativos Snapchat e Hipstamatic.

Seus olhares parecem não apontar presságios e sim refletir a relação mais íntima entre fotógrafa e modelo. O que nos leva a um interessante paradoxo na construção dessas imagens, feitas em apenas dois ou três shots e um relacionamento mínimo, criado ali pela empatia que ora surge do encontro casual, ora do premeditado. Não há cenas criadas e o confronto entre autora e modelo é superado no imediatismo e na proximidade que um gadget pode oferecer, diferentemente de uma câmera tradicional, especialmente aquela que não se mostra como uma prótese “flusserniana” e sim como um obstáculo ao relacionamento.

Pamela Facco faz retratos, mas ela os mostra como se fossem belas flores, daí a guirlanda a guiar o leitor na sua objetividade. Entretanto em mais um paradoxo estes surgem despojados de constrangimento. Há uma extraordinária naturalidade nos olhares, fruto dessa pequena interface entre a fotógrafa e seus “personagens” que é o pequeno e quase invisível aparelho celular.

Elas olham para algo que não sabemos, talvez para dentro de si mesmas  ou para um acontecimento futuro como “fortes” Cassandras em oposição as “belas” Helenas. Aqui o melhor delas não está na superfície e sim no que emana de seus interiores. Atitude franca e não beleza construída.

Mulheres amigas, adolecentes da família, as colegas de estudo, as de trabalho, aquelas de muita história, as mais prosaicas, as mais intelectuais, filhas, netas, avós,  se unem em um vasto portifólio com as que andam pelas ruas, as que estão somente de passagem, as que surgem e desaparecem deixando apenas um sorriso. Mulheres!

Há apenas um rito a conectá-las, o processo fotográfico único da manipulação precisa dos aplicativos cujo mérito maior é encurtar essa distância a que a fala de Beauvoir se refere logo no começo deste texto. Não há uma única mulher, elas podem e devem ser todas, ou melhor ainda, pelo olhar de Pamela Facco elas são todas.

 

 

Juan Esteves (fotógrafo, curador e crítico de fotografia)

2016

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